Dia 2 de fevereiro - dia de festa no mar”, segundo a música do compositor baiano Dorival Caymi. É o dia em que todos vão deixar os seus presentes nos balaios organizados pelos pescadores do bairro do Rio Vermelho junto com muitas mães de santo de terreiros de Salvador, ao lado da Casa do Peso, dentro da qual há um peji de Yemanjá e uma pequena fonte. Na frente da casa, uma escultura de sereia representando a Mãe d´Água baiana, Yemanjá. Desde cedo formam-se filas para entregar presentes, flores, dinheiro e cartinhas com pedidos, para serem levados à tarde nos balaios que serão jogados em alto mar.
É única grande festa religiosa baiana que não tem origem no catolicismo e sim no candomblé. (Dia 2 de fevereiro é dia de N.Sra. das Candeias, na liturgia católica, e esta Nossa Senhora é mais freqüentemente paralelizada com Oxum, a vaidosa deusa das águas doces).
Iemanjá, rainha do mar, é também conhecida por dona Janaína, Inaê, Princesa de Aiocá e Maria, no paralelismo com a religião católica. Aiocá é o reino das terras misteriosas da felicidade e da liberdade, imagem das terras natais da África, saudades dos dias livres na floresta (AMADO,1956;137)
Dois de fevereiro é - oficiosamente - feriado na Bahia. É considerada a mais importante das festas dedicadas a Yemanjá, embora Silva Campos narre que antigamente a mais pomposa festa a ela dedicada era a efetuada no terceiro domingo de dezembro, em Itapagipe, em frente ao arrasado forte de São Bartolomeu (SILVA CAMPOS, 1930;415). Odorico TAVARES (1961;56) narra que, nos outros tempos, os senhores deixaram seus escravos uma folga de quinze dias para festejarem a sua rainha em frente ao antigo forte de São Bartolomeu em Itapagipe. QUERINO (1955;126/7) confirma ser na 3a dominga de dezembro a festa comemorada em frente ao antigo forte de S.Bartolomeu, hoje demolido, “à qual compareciam para mais de 2.000 africanos”. Tio Ataré era o pai de santo residente na rua do Bispo, em Itapagipe, que comandava os festejos. Reuniam os presentes em uma grande talha ou pote de barro que depois era atirada ao mar. A festa durava quinze dias, durante os quais não faltavam batuques e comidas típicas baianas, com azeite de dendê. Hoje a festa do Rio Vermelho dura só o dia 2, prolongando-se pelo fim de semana seguinte, quando próximo.
Onde acontecem os festejos para Iemanjá?
A festa e o culto desenrolam-se, simultaneamente, em vários locais e ocorrem em momentos diferentes. Acontece nas casas de candomblé espalhadas pela cidade de Salvador, Bahia, aonde são preparadas algumas oferendas, incluindo, a dos pescadores da Colônia do Rio Vermelho. Inicia-se, efetivamente, logo após a meia-noite do dia 2 de fevereiro, no Dique do Tororó, quando são realizados os primeiros rituais da festa com a entrega da oferenda a Oxum, orixá das águas doces. Apenas os pescadores dessa Colônia, participam desses momentos iniciais, sendo pouco visíveis para o grande público.
Uma alvorada com fogos de artifício na praia do Rio Vermelho que explode às cinco horas da manhã, demarca o início dos festejos em homenagem a Iemanjá, quando são entregues os primeiros presentes pelos devotos. Essa atividade segue até às 16 horas.
No entorno dessa praia, até o morro da Paciência, os devotos se colocam, em filas duplas e chegam durante todo o dia. Aguardam, desse modo, o momento íntimo de saudar Iemanjá, formular seus pedidos e visitar a sua morada, no único dia em que recebe, de portas abertas, o público. Enquanto isso, são abençoados pelos integrantes dos terreiros de candomblé que, sob o toque de atabaques, recebem na cabeça e rosto respingos de essência de Alfazema, o perfume predileto da "rainha do mar". Depositam as oferendas no coberto improvisado de madeira edificado, nesse dia, para proteger uma das esculturas de Iemanjá.
Cada um(a) a seu modo "dá obrigação", faz deferência e pede proteção, diante dos desafios e dilemas da vida cotidiana transfigurados nas águas imprevisíveis e instáveis do mar. Os pedidos são escritos, em geral, em pequenos pedaços de papel e são colocados junto às oferendas. Identificar esses pedidos é quase impossível, pois são segredos íntimos compartilhados na devoção.
As oferendas são individuais ou coletivas. No entanto, expressam “tudo que é de vaidade: perfumes, sabonetes, pulseiras, colares, brincos, batom, pentes, talco, flores coloridas ou brancas como as angélicas, bonecas etc”, conta um dos membros da comissão da festa. Elas compreendem,desde alegorias de tamanhos variados que podem aparecer em carroças, ou em carrinhos de mão, até afoxés que surgem em cortejo no meio das filas de fiéis; grupos de capoeira, de teatro, blocos carnavalescos como a banda Didá, formada por mulheres nos moldes do Olodum do qual participam somente homens.
As oferendas e os papéis onde estão inscritos os pedidos são acondicionados em grandes balaios de palha, cestas confeccionadas, especialmente, para essa ocasião. As oferendas são recebidas, principalmente, por mulheres. Aos poucos, os homens, em geral, pescadores carregam esses enormes cestos repletos de prendas para um tablado de madeira construído na praia. Mais tarde, todos balaios são levados para os inúmeros barcos estacionados próximo à beira-mar.
Nada escapa aos olhares atentos dos promotores da festa! A oferenda principal surge na festa, às 16 horas, sendo, imediatamente, conduzida para embarcação especial que forma o cortejo de barcos e canoas que levarão os presentes em alto mar.
No decorrer do dia, o culto a Iemanjá desenrola-se, na praia do Rio Vermelho onde se localiza a sede da Colônia de Pescadores e a morada, em terra firme, de Iemanjá. Nesse local, os rituais da festa são mais visíveis. Ao cair da tarde, ele se transfere para beira-mar e depois para alto-mar. Neste último local, apenas alguns convidados e iniciados acompanham os rituais.
Dezenas de embarcações, vindas de vários pontos da Baia de Todos os Santos, aportam nessa praia do Rio Vermelho. Alguns barcos, escunas e saveiros parecem recém pintados, como se tivessem recebido roupas novas para ir à festa. Mas todos estão enfeitados com muitas fitas, guirlandas e bandeirolas bem coloridas.
O barco escolhido, em 2000, para entregar as oferendas a Iemanjá traz a inscrição - Que Iemanjá nos dê muita paz! Essa frase condensa, talvez, todas as esperanças e expectativas individuais e coletivas em relação a presença protetora do orixá na vida cotidiana. Remete, desse modo, à mitologia dos orixásxx na qual Iemanjá seria a força, representada pela imensidão das águas do mar; ou mesmo pelo discernimento. Como se diz, Iemanjá “é a cabeça. Gosta de desafios. Não vive sem desafio”.
Os devotos pedem “paz e saúde porque dinheiro vem depois”, se a cabeça não estiver ruim, explica um eles. Seguindo as regras da reciprocidade, todos esperam corresponder às vontades e gostos de Iemanjá para que as oferendas sejam aceitas. E, por isso, confessa outro: “se ela aceita os presentes, é pra gente ter paz e saúde. E a gente espera isso!”.
Nas ruas e praças públicas que se localizam, no entorno do entreposto de pesca e da morada de Iemanjá, são montadas muitas barracas, formando o cenário da Festa de Largo, aspecto profano do rito religioso. Nessas barracas, acontecem encontros, conversas, paqueras cruzados aos comensais típicos da cozinha baiana e regados por cerveja bem gelada. As músicas nos aparelhos de som incitam a dança, principalmente, ao som estridente dos “trios elétricos”. Dançarinos surgem e casais se formam nos bailes ao ar livre que seguem noite adentro, saudando Iemanjá.
O lado profano da festa faz, portanto, moldura a sua dimensão sagrada. Esta desenrola-se no próprio mar, ou nas suas margens, isto é, na areia da praia, nas pedras que a circundam e no pátio da casa de Iemanjá.
Ainda se comemora Iemanjá, nos grandes hotéis e restaurantes da cidade que servem um cardápio especial, no almoço, principalmente, aos turistas que visitam Salvador na época das festas. O ciclo festivo inicia-se, no dia 4 de dezembro, com a festa de Santa
Bárbara, prossegue, em 8 de dezembro, com a de Nossa Senhora da Conceição, ou Conceição da Praia; em 1º de janeiro, com a procissão do Nosso Senhor dos Navegantes; e com a Lavagem do Bonfim que acontece na terceira quinta-feira do mês de janeiro.xxi A festa de Iemanjá fecha esse ciclo que antecede aos dias de Carnaval.
A festa de Iemanjá é, nos dias atuais, tão expressiva quanto a da “lavagem do Bonfim” cuja devoção ao Senhor do Bonfim é bastante difundida, na Bahia, desde o século XIX.xxii Alguns estudos consideram a festa de Lavagem do Bonfim e a de Iemanjá, na sua dimensão profana, enquanto Festa de Largo, um preâmbulo dos festejos carnavalescos.
Nessas manifestações, os trios elétricos animam, à noite, com sua música, as ruas e barracas instaladas nos arredores dos lugares onde aconteceram, no decorrer do dia, os rituais estritamente religiosos.
A "mistura" de elementos culturais que se fundem nas diferentes práticas sociais configura, para Agier (2000), “o contexto no qual se prepara o próprio carnaval, como festa urbana, cristã e pagã.”xxiii Por volta das 17 horas, o toque do Ijexá anuncia a presença do afoxé Filhos de Gandhixxiv. Coube-lhes, no ritual da festa de 2000, conduzir essa oferenda que, além de comida e das obrigações preparadas em uma casa de candomblé, inclui um andor formado por uma das imagens associadas a Iemanjá rodeada por estrelas do mar e apoiada em uma enorme concha branca. No trajeto até o seu desembarque, várias pessoas vestidas com roupas brancas aglomeram-se nas calçadas e nas pedras, em silêncio absoluto. Ouve-se apenas o som do afoxé. A partir desse momento, a festa e o culto acontecem, antes na praia, e depois em alto mar, atraindo a atenção de todos em uma atitude totalmente contemplativa.
Antes do cortejo, se direcionar para o alto mar, o barco a remo, responsável por entregar o presente principal a Iemanjá, dá uma grande volta aos fundos da Igreja Católica de Sant' Ana. Com esse movimento, os pescadores reverenciam, conforme Sousa, “a santa que lhes assegura também proteção”.xxv Todos os barcos esperam. A embarcação com os atabaques e respectivos alabésxxvi, que haviam invocado os orixás em terra, e a outra, que traz ialorixás e filhos de santo, postam-se ao seu lado. Cinco milhas distante dali, são depositadas as oferendas e os pedidos em um enorme rodamoinho "onde Iemanjá os aguarda, todos os anos".xxvii Os festejos de Iemanjá seguem rituais transmitidos por tradição oral, mas a organização dos festejos e a sua abrangência alteraram-se, no decorrer dos tempos.
Leila Maria da Silva Blass
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Festa do Rio Vermelho
A tradicional Festa de Iemanjá na cidade de Salvador, capital da Bahia, tem lugar na praia do Rio Vermelho todo dia 2 de Fevereiro. Na mesma data, Iemanjá também é cultuada em diversas outras praias brasileiras, onde lhe são ofertadas velas e flores, lançadas ao mar em pequenos barcos artesanais.
A festa católica acontece na Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, na Cidade Baixa, enquanto os terreiros de Candomblé e Umbanda fazem divisões cercadas com cordas, fitas e flores nas praias, delimitando espaço para as casas de santo que realizarão seus trabalhos na areia.
No Brasil, Iemanjá na versão de Pierre Verger, representa a mãe que protege os filhos a qualquer custo, a mãe de vários filhos, ou vários peixes, que adora cuidar de crianças e animais domésticos.
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